DEZ ! NOTA DEZ !

Daqui a dias, Jorge Perlingeiro pegará o microfone na Sapucaí e diante do parecer de quatro jurados, identificados por um extenso currículo no quesito a ser julgado, após eliminar a pior nota dada, exaltará: “Comissão de Frente da Unidos da Tijuca: DEZ! Nota DEZ!” (ou vocês têm dúvida do que Paulo Barros vai aprontar com a homenagem ao Senna que sempre largou na frente?). No futebol, infelizmente, é diferente. Um julgador jornalista esportivo, que não se identifica, assiste um desfile do CR Vasco da Gama em São Januário e após 90 minutos pega o computar e sentencia: “Edmilson: Nota 5!”

Não acontece com nenhuma outra profissão, só com o futebol. Segunda-feira, onde muitos correm às bancas, em um caderno mais que lido e disputado, trabalhadores são julgados por seus desempenhos publicamente. Recebem nota sem direito à defesa. Edmilson, centroavante do Vasco, que marcou 2 gols no domingo, ao chegar à noite em casa após curtir um dia em que poucos descansam, com praias vazias, teatros fechados e a piscina do clube interditada para limpeza, é chamado a atenção por seu filho recém bulinado desde cedo no colégio: “Pôxa, pai, nota 5? E ainda quer falar sobre a minha nota riscada em Química?”

Tem coisas que só acontecem com o futebol. Já imaginou um médico abrindo os jornais dia seguinte a cirurgia e lendo sua atuação publicada? “Dr. Jatene – Diagnosticou a tempo o infarto, realizou com competência o procedimento do cateterismo, mas errou no diagnóstico dos stents. Poderia ter colocado três, mas optou por dois. Corre o risco da artéria em questão ser novamente obstruída. Nota 5.” E o padeiro ali da esquina: “Na fornada das seis a bisnaga se apresentou endurecida, levemente queimada, mas já na das sete ouve um quadro de melhora, com os pães atingindo sua consistência perto do ideal. Nota 6”.

Análises dos esportes coletivos devem ser coletivas, uma crítica sobre a partida entre Vasco x Friburguense, com um olhar no contexto da obra, conterá destaques e decepções, mas para o Montoya receber a melhor nota (9) foi preciso que o Guinãzu (6,5) e o Felipe Bastos (5) lhe dessem confiança para apoiar. Que Edmilson e William Bárbio (6) se movimentassem para abrir espaços às suas penetrações. Dificilmente há uma inspiração isolada num contexto desajustado, basta uma só nota desafinada e quero ver um só musico ser exaltado na apresentação da sua orquestra.

Tem mais: professor que é o senhor das notas, fez anos de magistério e é o mais gabaritado dos julgadores, faz seu julgamento sem expor ou violar a individualidade do seu aluno. Porque então o anônimo jornalista esportivo de O Globo insiste em fazê-lo? Porque é o esporte do povo e o sindicato da classe, que consegue perder pra LIESA, é tão ineficiente que sequer sua voz ecoou quantos todos deram sua contribuição quando o pau quebrou naquelas arquibancadas da vergonha?

Este ano fiz mais um ENEM. Minha nota só interessa a mim e ao MEC, pois quando me afastei das ciências exatas para jogar bolas inexatas tenho sofrido com aquelas questões de Física e Matemática. Mas não fico exposto. Porém, quando meu neto vasculha meu álbum e lê o veredito de Americano x Vasco, proferido nos anos 80 por um expert da Tribuna de Campos, não tem como ironizar com nosso passado: “Aí vovô, tirou cinco, hem!”.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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