A LEI SECA E O DESEMBARGADOR

São inegáveis os benefícios que a chamada Lei Seca trouxe ao trânsito do Rio de Janeiro, reduzindo os acidentes e criando uma cultura de cuidados para os motoristas que bebem. Aumentou o número de corridas de táxis e melhorou o nível de violência no trânsito. Mas não se pode transigir com os direitos fundamentais desrespeitando-os quando se podem atingir os mesmos resultados sem rasgar a Constituição.

Escolheu como manchete um jornal carioca noticiar que um desembargador que não quis se submeter a essa rotina de desconforto para todos os cidadãos, que são obrigados a parar e prestar contas a uma autoridade sem ter dado qualquer motivo para isso. A ocasião era propícia para colocar essa causa pública em debate, ouvindo a respeito os especialistas, mas a preferência foi mostrar a imagem de uma autoridade que não queria ser tratada como os demais cidadãos.

Conhecendo a seriedade e coerência do desembargador Cairo David, acredito que a escolha foi infeliz. A uma porque o referido jurista há muito defende em seus brilhantes votos a ilegalidade dessa prática e a duas que não é homem de se portar de forma diferente em razão do cargo que ocupa. Muito pelo contrário é um homem simples e muito humano, além de jurista respeitável e coerente.

Tudo que se deseja de um homem público é que seja honesto e coerente. Ora se é essa a posição fundamentada pelo desembargador em seus votos, como exigir dele, conhecedor e fiel intérprete da lei, que se submeta a uma ilegalidade? A reação não foi em causa própria, mas em defesa do respeito aos direitos constitucionais de todos os cidadãos, e para provocar uma necessária revisão dessa prática. Ainda que de boa fé, não se admite rasgar direitos fundamentais.





Siro Darlan - Desembargador do Tribunal de Justiça e Membro da Associação Juízes para a Democracia.

One thought on “A LEI SECA E O DESEMBARGADOR

  1. Nao sei exatamente o que ocorreu com o desembargador citado acima. Nao ha duvida de que a lei deve ser aplicada a todos independente do seu estado social, economico ou politico. Mas ao ler o artigo acima, as seguintes perguntas me vieram a mente:

    Primeiro, porque a policia parou o carro? A policia tinha justa causa para parar o carro do desembargador? Se a policia observou qualquer violacao de transito esta teria a autoridade para parar o carro? Do contrario, nao haveria razao para parar o carro. Talves seja essa a “ilegalidade” que o Desembargador Siro Darlan se refere acima.

    A segunda pergunta, naturalmente seria: se um violacao ocorreu, a policia observou prova de embriaguez do motorista? Cheiro de alcool, fala distorcida, etc. Se nao, porque exigir que o motorista use o bafometro? Sem suspeita de embriaguez do motorista, exigir que todo motorista se submeta ao bafometro me parece, ao minimo, uma conduta arbitraria e sem base legal.

    A terceira pergunta e: quem estava dirigindo o carro? O motorista ou o desembargador? Se o motorista, qual o envolvimento do desembargador? Sera que, ao observar a ilegalidade da blitz, o desembargador simplesmente recomendou ao seu motorista que nao se submetese ao bafometro? Ou sera que o desembargador utilizou-se da sua posicao de autoridade para obter um tratamento diferenciado aquele dado a outros cidadaos? Nao sei dos fatos para julgar, mas a conclusao e obvia. Ninguem esta acima da lei – policia, cidadaos, pessoas publicas ou autoridades. A ilegalidade da acao policial nao justifica que desembargadores (ou motoristas de desembargadores) sejam tratados de forma diferente a outros cidadaos. Se realmente houve ilegalidade na blitz, a lei permite que o motorista se recuse a se submeter ao bafometro. Se a recusa e valida ou nao cabera ao juiz decidir a questao.

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