A LEI DO DENTE LIVRE

 

Vivia os meus quinze minutos de fama quando, tomando banho no vestiário do Flamengo, ouvi um comentário vindo da rouparia ao lado: “Sabe quem está ai fora? O Liminha!”. Como torcedor do Fluminense infiltrado pela profissão, acelerei minha ducha para ver de perto um dos maiores ídolos da Gávea, implacável marcador dos  atacantes tricolores. 

Se contávamos com Denílson, o Rei Zulú, eles tinham o “carregador de piano” a fechar com garra e colocação caminhos que balançavam as redes nos Fla-Flu dos anos 60. Quando estava saindo do chuveiro escutei a resposta do outro roupeiro: “Deve estar f... Ex-jogador de futebol quando volta ao seu clube á para pedir dinheiro ou emprego!”.

Tal preconceito, espalhado por rouparias, almoxarifados até alcançar a temida catraca luz vermelha da  portaria, tem nos afastado, por precaução, dos clubes em que jogamos. Com 513 jogos, oitavo jogador que mais atuou na história do Flamengo, campeão estadual e da Taça Guanabara em 72/74, se Liminha recebeu tal “distinção” onde merecia ser reverenciado, o que será que deve ter passado pela vida em lugares em que se apresentou como João Crevelim?

 Vítima de “complicações na artéria aorta decorrente de um problema dentário”, após ser demitido pela diretoria do Flamengo, em março, quando trabalhava nas divisões de base, Liminha faleceu no ultimo sábado, dia 2 de novembro, aos 69 anos. Poucos devem ter sofrido tanto desrespeito perante seus feitos quando Liminha.

Não morreu de ostracismo, como queriam seus roupeiros, nem desempregado, como tentaram os cartolas do clube, mas foco dentário dá indícios de um final desassistido. Sendo assim, nós, ex-atletas de futebol, gostaríamos que a cada  2 de novembro fosse respeitado o seu dia com a implantação da Lei Liminha.

Durante sua vigência, todo ex-atleta profissional receberia uma carteira vitalícia dos seus  ex-clubes, garantido o acesso às suas dependências para visitá-los com  filhos e netos – e nunca mais seriam barrados na portaria. Teriam preferência para dirigir suas divisões de base no lugar dos indicados trogloditas que assumiram para implantar musculação e correria em sua formação.

Além da classe de bater na bola e repassar conhecimentos dos seus ex-treinadores, passariam o amor e  respeito esquecido pelas novas gerações, que andam beijando a logo da Unimed no lugar do escudo do Fluminense. Além disto, cada clube, sempre dirigido pelo benemérito emergido do quadro social e alheio ao meio da bola, teria que empossar um ex-atleta como diretor de futebol e, finalmente, a cada partida fora de casa, um jogador com passado marcante seria convidado a chefiar a delegação.

Se concentrar com os novos jogadores e ,nas preleções, passaria toda a dura realidade vivida após serem apagados os refletores da fama. Seria uma forma de avisar aqueles que pensam serem eternos os quinze minutos e, mais que isto, dar um carinho naqueles que foram precocemente esquecidos.

Não ouso dizer que se Liminha tivesse chefiado a delegação do Flamengo no lugar de um cartola na ultima quarta-feira, para Goiania, estaria agora entre nós. Mas  teria uma chance de partir com o reconhecimento pelo muito que fez pelo clube. E, quem sabe, a derradeira oportunidade de conhecer os recursos de uma D’or no lugar de ter sucumbido pela dor.  De dente?

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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