AS MODIFICAÇÕES NA LEI PELÉ

Foto: Arquivo pessoal.

Quatro comissões do Senado Federal aprovaram, em reunião conjunta, mudanças na Lei Pelé. Como tem caráter terminativo nas comissões, o projeto vai para a Câmara para que os deputados analisem alterações no texto feitas pelo Senado.Segundo o relator, senador Álvaro Dias (PSDB-PR), o projeto visa proteger os clubes formadores de atletas de futebol e evitar o êxodo de jogadores para o exterior. De acordo com ele, o primeiro contrato com atletas de futebol poderá ter validade de cinco anos e após seu término o clube formador tem a preferência para realizar um novo contrato por mais três anos.

O Professor Martinho Neves Miranda, Advogado, Procurador do Município do Rio de Janeiro, Mestre em Direito, Especialista em Direito Desportivo, Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito Desportivo da Universidade Cândido Mendes e autor do Livro “O Direito no Desporto”, Ed. Lumen Júris, falou ao blogdoiata sobre as modificações na já totalmente modificada Lei Pelé.

QUAL FOI A GRANDE MUDANÇA PROVOCADA PELO PROJETO APROVADO NO SENADO ?

O projeto promoveu profundas alterações em várias áreas: no regime de transferência dos atletas, no trabalho dos agentes de jogadores, na responsabilização dos dirigentes, na fixação de parâmetros de transparência das entidades desportivas,na revisão de certos direitos trabalhistas dos jogadores e no regime de compensação dos clubes na negociação de seus atletas.

QUAL O GRANDE AVANÇO DESSA MUDANÇA ?

O grande avanço foi de proibir que o clube negocie o valor da clausula penal (valor a que faz jus um clube pela transferência de seu atleta durante a vigência do contrato de trabalho) com quem quer que seja, isto é, a agremiação obrigatoriamente receberá na íntegra essa quantia.

Ainda que queira o dirigente, o projeto de lei torna nulo de pleno direito qualquer previsão contratual que transfira total ou parcialmente esse valor, (que o mercado passou a chamar de “direitos econômicos”) a empresários, agentes do jogador, sendo que esse expediente estava sendo utilizado até para pagar dividas do clube com terceiros, tornando-se quase que um título de crédito.

Foram muito salutares também as regras que resguardam a liberdade dos atletas em relação a seus empresários, bem como a consagração de alguns direitos trabalhistas importantes para a sua vida profissional.

A bola fora do projeto é que ele criou um privilégio inadmissível para os clubes que nenhuma outra associação ou empresa possui.

Com efeito, consta no projeto que  ” Os atos judiciais executórios de natureza constritiva não poderão inviabilizar o funcionamento das entidades desportivas”.

Assim, por certo o clube alegará, após sofrer uma penhora, que ela irá “inviabilizar o funcionamento da entidade”, na forma do projeto, dificultando ainda mais a penosa tarefa dos credores em receber aquilo que lhes é devido.

Além do mais, essa previsão genérica do projeto não parece resistir à seguinte pergunta: Qdo é que uma penhora irá inviabilizar o funcionamento de uma entidade? Quando afetar 20%, 30%, 50% da renda de uma partida de futebol por exemplo? Trata-se de uma regra que dá margem a uma interpretação extremamente perigosa e subjetiva do juiz no caso concreto.

Estamos, portanto, perto de uma esdrúxula e possível situação: o clube, como não raro acontece, não paga o salário do funcionário; este entra na Justiça para receber o que lhe é devido; o processo leva uns 10 anos e na hora de receber, o clube alega, com base na lei, que se tiver que pagar o clube ficará “inviabilizado” financeiramente.

Isso me cheira mais a um calote anunciado dos clubes, estando infelizmente institucionalizado pelo Estado brasileiro.

QUE TIPO DE BENEFÍCIO OS CLUBES TERÃO COM RELAÇÃO AO JOGADOR INICIADO EM SUAS DIVISÕES DE BASE ? DE QUE FORMA O CLUBE SERÁ RESSARCIDO.

Além da preservação exclusiva do valor da cláusula penal para o clube, foi institucionalizado para a agremiação formadora o mecanismo de solidariedade para transferências  nacionais, instituído à imagem e semelhança do instituto criado pela FIFA para negociações internacionais.

Assim, em cada Transferência nacional, definitiva ou temporária, de atleta profissional, até cinco por cento do valor pago pela nova entidade de prática desportiva serão obrigatoriamente distribuídos entre as entidades de práticas desportivas que contribuíram para a formação do atleta.

Essa inovação foi importante, já que a clausula penal só era devida ao clube que estivesse sob contrato com o atleta e que fosse rompido unilateralmente por este durante o seu prazo de validade. Agora, parte desse valor será repassado aos clubes que contribuíram na formação do jogador.

COMO AVALIAR SE ESSE RESSARCIMENTO É O CORRETO E COMO SERÁ FEITA ESSA CONTA DE AVALIAÇÃO ?

O valor será pago proporcionalmente entre os clubes que formaram o jogador. A CBF ficará encarregada de certificar se o jogador foi efetivamente formado neste ou naquele clube. É importante dizer que há uma série de requisitos que devem ser cumpridos pelo clube formador para fazer jus a essa indenização. Com o projeto, foram adicionadas as seguintes exigências:
1-     Propiciar ao jogador fazer a matrícula escolar, com exigência de frequência e satisfatório aproveitamento;
2-     ser a formação do atleta gratuita e às expensas da entidade de prática desportiva;
3-     participação anual de competições organizadas por entidade de administração do desporto em, pelo menos, duas categorias da respectiva modalidade desportiva, acabando com os denominados clubes formadores de fachada.

DE QUE FORMA O CLUBE PODERÁ “SEGURAR” UM JOGADOR DIANTE DAS PROPOSTAS QUE, NORMALMENTE VEM DOS CLUBES EUROPEUS E SÃO CONSIDERADAS IRRECUSÁVEIS ?

O clube não pode mais impedir por completo a saída de um jogador, ante o fim do passe e pela consagração pela nossa Constituição da liberdade de trabalho garantida a qualquer profissional.

A melhor fórmula é a de celebrar um contrato longo com um jogador, com a fixação de valor elevado da cláusula penal para rompimento antecipado, a fim de desestimular o interesse de outras agremiações.

A MULTA PARA TIRAR O JOGADOR DE UM CLUBE JÁ EXISTE. O QUE FOI ACRESCENTADO A ELA ?

A grande novidade foi a de se prever que a clausula penal passa a ser bilateral, ou seja, será devida por ambos os contratantes, (clube e jogador) com valores diferentes, em caso de rompimento antecipado do contrato, garantindo a indenização dos atletas quando forem dispensados.

Assim, passaremos a ter:
– cláusula indenizatória desportiva, devida exclusivamente à entidade de prática desportiva à qual está vinculado o atleta, sendo solidariamente responsáveis o jogador e a nova entidade de prática desportiva empregadora.
Ela Será livremente pactuada pelas partes e expressamente quantificada no instrumento contratual:
I – até o limite máximo de duas mil vezes o valor médio do salário contratual, para as transferências nacionais; e
II – sem qualquer limitação, para as transferências internacionais.
– cláusula compensatória desportiva, devida pela entidade de prática desportiva ao    atleta.
I – com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial;
II – com a rescisão indireta do contrato, (culpa do empregador);
III – com a dispensa imotivada do atleta.
Ela também será livremente pactuada entre as partes, e formalizada no contrato especial de trabalho desportivo, observando-se, como limite máximo, quatrocentas vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão, e, como limite mínimo, o valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido contrato.

COMO FICARÁ A FIGURA DO EMPRESÁRIO NA TRANSFERÊNCIA DO JOGADOR ?

O empresário deixou de ser “sócio” dos clubes na transferência do jogador, não podendo mais receber valores da clausula penal. Os chamados fundos de investimento criados para investir na contratação de jogadores, não poderão mais ser remunerados dessa forma.

Por outro lado, os agentes de jogadores também não poderão fazer jus a qualquer percentual dessa verba, devendo ser remunerados diretamente pelos atletas que representam, sendo nulos também contratos de atletas com agentes que

– resultem em vínculo desportivo;
– restrinjam a liberdade de trabalho;
– estabeleçam obrigações abusivas ou desproporcionais;
– ou versem sobre o gerenciamento de carreira de jogador não profissional menor de 18 anos.

HÁ ALGUM DISPOSITIVO PROIBINDO A SAÍDA DE ATLETA MENOR DE IDADE PARA EXTERIOR ?

Não há previsão legislativa no Brasil  que impeça a saída de atletas menores. O que existe é uma vedação da FIFA que impede a transferência profissional de atletas menores de 18 anos. Entretanto, vale observar que o Estatuto da Criança  e do Adolescente (pouca gente sabe disso!)  criminaliza a prática de envio para exterior de menor com o intuito de obtenção de lucro.

3 thoughts on “AS MODIFICAÇÕES NA LEI PELÉ

  1. Respeito opiniões diversas, mas a visão desse advogado sobre o impacto da nova lei sobre os direitos econômicos é completamente equivocada….

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