Predador

Em 1978 o Brasil parava aos domingos diante da televisão para assistir, quase ao seu final para prender a audiência, o show da vida. Que por aqui sempre foi o Gol, o grande momento de uma paixão nacional. Jogava em Recife e meus pais e irmãos ficavam esperando notícias e imagens protagonizadas  por aqueles que sacudiam as redes. Para nós, os pontas, meias e armandinhos era reservado  o papel coadjuvante de ir a linha de fundo e acertar a cabeça de quem aplacaria as saudades da família distante. No Santa Cruz, era sempre o Nunes. E nem precisava, sua família era de lá e eles assistiam seus gols ao vivo. Com o tempo, aprendi, era o primeiro a abraçá-lo com uma mão. E com a outra mandava adeuzinhos  para Três Rios. E na telinha deveriam gritar por aqui: “Olha o Beto ali!”.

Fazia tão poucos gols que quando tive coragem de contar, após 17 anos de profissão, não alcancei os 90. E mesmo assim contando penaltys batidos até em decisões. Meu irmão, Mauro, gravava meus jogos. Captava entrevistas, passes e lançamentos, mas o grito de gol era raro lá em casa. Meu primeiro gol no Maracanã foi contra o Corinthians, em cima do Ado, e ele soltou um grito do quarto: “Gol do Beto!”. Segundo a lenda, ecoou pela casa um silencio mais que respeitoso. Quase incrédulo. Daí insistiu: “Foi gol do Beto!”. A primeira manifestação veio da cozinha: “Tem certeza?”. Minha mãe jurava que não foi dela a resposta, enfim, demoraram tanto a acreditar que quando foram conferir o Corinthians já havia virado para 3×1. Meu raro e primeiro gol fora em vão. Hoje, pelo menos valorizam a assistência, o crédito sai até no show do intervalo. No nosso tempo, nem isso.

Vavá, Nunes, Careca, Roberto Dinamite, Flávio, o Minuano, Silva, o Batuta, e Artime foram os maiores  matadores que vi de perto. E Fred foi um que admirei de longe. No  Fla x Flu decisivo, escalaram muitos assistentes. E só um Guerrero. Nos últimos jogos do Flamengo as tomadas do SporTv andaram se confundindo com as aventuras de um predador do Animal Planet. Um documentário de 90 minutos onde um Leão insaciável mira seu foco na presa, que são os goleiros, desferindo seguidos ataques com chutes e cabeçadas, sob todos os ângulos e  posições. Impressionante sua fome e instinto matador quando pressentiu que o Cavaliere soltaria aquela bola.

O gramado do Maracanã foi palco, enfim,  de uma selva cheia de cobras onde as velhas raposas, como Joel Santana, rondaram as tribunas  aguardando um mau resultado e a queda do Abel ou do Zé Ricardo. Os búfalos correram pela savana em todas as direções, como Everton, Léo, Gabriel, Welligton Dias e os abutres sobrevoaram o estádio Mário Filho em busca da sobras das brigas, que desta vez, felizmente, não ocorreram. E Márcio Araújo protegeu sua zaga dos contra ataques das hienas hábeis, velozes e sornozas que não matam sozinhas, mas se lhe proporcionarem os espaços que o Vasco lhes condeu….Mas entre todos que pisaram naquela África carregada de feras, apenas um deles era predador nato. E lá no Peru, na residência de sua família, quando ecoou o grito do  gol de empate, seu irmão deve ter saindo gritando pela casa “É do Guerrero!”. Da cozinha, certamente,  soou uma análise diferente da minha:  “De novo? Este menino não sabe fazer outra coisa?”.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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