Black Freedom

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As marcas foram muito fortes na adolescência para serem apagadas: depois de um ano entrando pela portaria social do clube, nós, jogadores de futebol do Fluminense, tivemos nosso acesso ao campo de trabalho transferido da Rua Álvaro Chaves para os fundos do clube. A diretoria mandou construir as pressas uma porta de acesso pela Rua Pinheiro Machado. Motivo: reclamação dos associados tricolores com aquela “negada” que ousava se misturar a eles na portaria quando se dirigiam ao Tênis, a Piscina, as escolinhas que não iriam formar nenhum Mauricinho da bola. Estávamos em 1969, tinha 19 anos e pensava: mas são eles, os jogadores negros e mulatos, que fazem a diferença com a bola nos pés. Não era justo ganharam em campo jogos e  títulos e serem escondidos no lugar de estenderem um tapete vermelho ao seu talento. Entre muitos, Jairo , Toninho, Oliveira, Marco Antonio, Zé Maria, Pintinho, Erivélton, Flávio, Ivair, Mazinho e Cafuringa. Fora o capitão do time  que jogara a ultima Copa do Mundo de 1966: Denílson, o Rei Zulu.

Impregnada em minha alma, passei a notar, desde então, o quanto tem sido injusta nossa sociedade com a cor mais bonita do nosso país. Aquela que nos concedeu o Rei do Futebol e introduziu ao bolo da nossa genética, feita de doses de nativos com levas de portugueses, a cereja da diversidade. Sem ela, a parte negra de nossa historia, seríamos tão previsíveis quanto os irlandeses. E igualmente alegres e criativos quanto os noruegueses.

Passados 47 anos em que ergueram aquela faixa de gaza nas Laranjeiras e 128 anos da Abolição, iremos nós, a parte branca e amarelada não discriminada da nação, tomar nossos centros de consumo nesta sexta-feira durante o Black Friday. E poucos irão notar, no afã do consumo, na busca de um celular mais barato, que nenhuma loja liquidará outro produto com tamanha competência quanto o faz com aquele cidadão postado em pé ao seu lado, discreto e invisível perante nossa insensibilidade, trajando o uniforme da cor de sua cútis  a proteger cada supérfluo do desejo.

De acordo com o ultimo censo do IBGE, 83% dos negros no país são prestadores de serviço. E apenas 20% alcançam o curso de Engenharia, 17% o de Medicina, Odontologia e 8% deles chegam a magistratura –  sendo que 50%  com o auxílio do regime de cotas. Após esconder os jogadores lá no fundo do campo, o nosso Black Friday vai concentrar, no fundo dos nossos templos de consumo, uma nova senzala formada por manobristas, motoristas e entregadores de madames e de pizza. Suas etiquetas, manchadas com o Lápis Vermelho da vergonha, serão seus crachás que lhes vedarão o direito de  circular por ali e fazer compras com suas famílias. Como quase todo mundo. Nas periferias do Barra Shopping, do Village Mall e do Rio Sul, continuarão mantidos em cativeiros diante de um país  que aprendeu a cultuar  o mais cínico e im placável dos racismos.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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