MENOS POR DINHEIRO

Atuei ao lado de Levir Culpi no Santa Cruz FC, entre os anos de 1977 e 1978. Temos a mesma idade, 63, e o privilégio de ter jogado em um time inesquecível, bi-campeão pernambucano: Joel Mendes, Carlos Alberto Barbosa, Paranhos, Lula Pereira e Levir Culpi se revezando na quarta zaga para saber quem seria o melhor treinador no futuro, e Pedrinho; Givanildo, Wilson Carrasco, Betinho e eu; Luiz Fumanchú e Nunes. Treinador Evaristo de Macedo. Ente outros feitos, quando derrotamos o Palmeiras no Parque Antarctica em plena semifinal do brasileirão, desembarcamos nos Guararapes junto a uma multidão nunca dantes reunidas em Pernambuco para receber alguém. Nem para conter Maurício de Nassau ou saudar Miguel Arraes.

Certo dia, deixamos a concentração do Ninho das Cobras, em Águas Finas, para decidir com o Sport o primeiro turno na Ilha do Retiro. Para os jogadores do sul, como nós, estar atuando por lá, à exceção de Betinho, Lula Pereira, Nunes e Givanildo que foram ali revelados, era porque uma lesão abreviara a carreira ou tínhamos passado do tempo ideal. E por lá jogaríamos para completar a aposentadoria. Mas, seguidamente, testemunhando pelo caminho torcedores surgindo de todas as casas, palafitas, biroscas, se deslocando a pé, espremidos nos pontos de ônibus rumando para o Arruda, descobrimos que o amor do povo nordestino pelo futebol, e pelo “santinha”, era o bálsamo com que enfrentavam todas as adversidades. A seca, as oligarquias, os senhores do engenho de açúcar, o candidato da Arena Cid Sampaio que se opunha a Jarbas Vasconcellos, do MDB, para guiar os seus caminhos.

E aí não mais tomávamos cerveja no Bar Jangadeiro, como todo boleiro fazia. Passamos a dormir cedo e treinar muito  com o Cel. Marcos Soares para, no domingo, devolver dentro de campo  aquele carinho. Transformar sua esperança em alegria toda a segunda feira daquela gente sofrida. Depois dali, cada um seguiu o seu destino, passamos a acompanhar a carreira um do outro, torcer pelo sucesso dos companheiros porque foram lições fortes,  coletivas e seriam  certamente distribuídas por onde jogássemos. Ou treinássemos. Não seria mais por dinheiro, seria por amor ao futebol.

Levir Culpi, um cara do bem, se apresentou a uma escola de futebol que aprendi a amar e respeitar: O Fluminense FC. Naquela universidade esportiva, então com Roberto Alvarenga, Zezé Moreira, Sebastião Araújo e Pinheiro em seu corpo docente, a disciplina, o amor a camisa e a profissão sempre estiveram atrelados ao domínio da bola. Colada aos pés, coxas, peito ao companheirismo. Ao se apresentar nas Laranjeiras, ante a inevitável pergunta de um repórter sobre as razões que o fizeram optar pelo tricolor, Levir disse que foi por dinheiro. Mesmo de brincadeira, pelas lições que recebemos no nordeste, não deveria ter dito. Porque quem não sabe brincar, não deve descer para o play ground. E o Fluminense, seus torcedores, sua história, vão muito além de um  parque de diversão.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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