O SEU BARRIGA

O centroavante Leonardo Lobato foi um dos heróis do título alcançado pelo Fluminense em 1995. Artilheiro do clube no estadual, ainda marcou na decisão contra o Flamengo. Assim como ele, o meio campo Aílton foi igualmente decisivo: aos 44 minutos do segundo tempo, deu dois dribles desmoralizantes em Charles Guerreiro e, dentro da grande área, bateu em diagonal para o gol. Ambos não se consagraram como protagonistas do título porque a bola, antes de alcançar as redes, encontrou a barriga de Renato Gaúcho pelo caminho. Tudo foi tão rápido que nem deu tempo dele desviar da bola. Mas foi o tempo suficiente que o futebol precisou para roubar toda a glória coletiva desta história.

Impressionante como um lance inusitado, nada comum, um gol da barriga (não de barriga, pois foi bola na barriga e não barriga na bola) é capaz de canalizar toda a conquista de um valoroso grupo de jogadores, e seu treinador Joel Santana, sobre um só jogador. Infelizmente, um atleta egocêntrico que jamais se preocupou com o coletivo. Renato Gaúcho se tornou o símbolo sozinho do título que roubou o cinqüentenário do Flamengo, e isto para os tricolores não tem preço. Tem DVD, royalties da conquista, mãos imortalizadas no azulejo na sede histórica, pés na calçada tricolor da fama. Só faltou a consciência com aqueles que lutaram e venceram ao seu lado.

Porque na ultima quarta-feira o Fluminense marcou uma festa para comemorar as duas décadas do feito. Encontrei com o Leonardo, que é de nossa região, e ele nos contava sobre a alegria de rever seus companheiros após tantos anos. Deve ter sido assim com o Ronald, Wellerson, Rogerinho e com o Lira. Só os esquecidos sabem o valor de uma lembrança, rara que são pelos clubes em que passam. Na festa, concorrida, esteve presente a torcida tricolor, sua diretoria e toda a imprensa esportiva. Menos Renato Gaúcho. Se fosse à festa, seria mais um. Dando a barrigada que deu, manteve o status da cereja que faltava no bolo. Mais uma vez, seria o destaque porque seria o único ausente. Manteria, sozinho, sobre si manchetes e os refletores que não quis dividir com o suor dos seus companheiros.

O futebol é um esporte coletivo. Impossível levantar qualquer campeonato sem um bom goleiro, uma defesa regular, um meio campo criativo e um ataque que funcione. Soma-se isto um treinador hábil e um banco de reservas que lhe dê opções. Sem este conjunto, ganham-se partidas. Não títulos que representam uma seqüência de jogos e de regularidade no conjunto da obra. Mas alguém precisa dizer ao Renato que ele não ganhou aquele título sozinho. No lugar da barrigada da quarta, deveria ter sido o primeiro a chegar e reverenciar cada companheiro que lhe fez herdar todos os louros desta história. Mas como dizia minha avó, dor de barriga não se dá uma vez só. A próxima do Renato pode, com a idade, estar com o cartão UNIMED do seu amigo Celso Barros vencido. E ele precisar, outra vez, dos postos SUS aos quais seus amigos, frustrados, retornaram às  suas cidades de origens. Às suas condições de heróis coadjuvantes. Coautores esquecidos.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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