O CAMISA 10

Não é difícil entender porque todos os jogos das semifinais cariocas acabam no 0x0, são decididos nos penaltys, ou só conseguem sair do zero nos acréscimos. Lembra-se da sua turma no colégio? Não tinha um, ou dois que tiravam sempre 9 ou 10 enquanto a gente aprimorava o passe e estudava o cabeceio?  Certamente não estão desempregados. Muito menos, tiveram  dificuldades para driblar a vida. E se posicionar, com carteira assinada e estabilidade, diante da sociedade. Desde que Vasco, Flamengo, Fluminense e Botafogo começaram a decidir o estadual que os homens que ocupam seu meio campo não receberam, pelos analistas esportivos, uma nota superior a 7. Hoje, segunda-feira, repriso a nota dos jogadores de Vasco x Botafogo dada pelo O Globo:  Marcinho,4; Guinazu,5; Serginho,5; Julio dos Santos, 6 e Dagoberto,6,5: Marcelo Mattos,5; Fernandes,6; Gegê,4; William Arão,7 e Rodrigo Pimpão,5. Se no setor da criação, onde Gerson, Didi, Dirceu Lopes, Rivelino, Falcão e Ademir da Guia levavam 10 e elevaram o conceito do nosso futebol, o que esperar de novo, criativo, armações ilimitadas que deixavam Nunes, Claudio Adão, Doval, Dadá Maravilha e tantos centroavantes em condições de balançar as redes, se esta turma que habita o lugar pensante não tira boas notas? Pobre Bill, Gilberto, Alecsandro, coitados, planetas isolados que não tem luz própria como a estrela  Fred, a vagar perdidos no espaço do maior estádio do mundo.

O sumiço do camisa 10 do futebol brasileiro, cujo ultimo exemplar está no Barcelona, precisa ser pesquisado. De seus pés, e não dos zagueiros, saíram as obras de arte que nos diferenciou no mundo. Sem eles, Rodrigo, zagueiro do Vasco, se acha no direito de pensar que é craque e sair jogando. Na ausência de algo mais criativo à sua frente, Gum tem se apresentado lá na frente, mesmo não tendo feito o seu dever de casa ao lado do Marlon. A tal ponto a mediocridade abriu espaços, que  David Luiz, depois do segundo gol da Alemanha sobre o Brasil na Copa do Mundo, se sentiu no direito de ir lá para a ponta direita tentar uma jogada, quando deveria chamar o Dante, o Maicon e o Marcelo para tentar fechar o bueiro. E evitar todo aquele vexame. A mediocridade no setor de criação chegou a tal ponto que Dagoberto, Bernardo, Almir e Marcinho, que deveriam estar atuando no Avaí, com todo respeito no Ceará, ressurgem como solução. E só conseguem atuar um tempo, justamente porque já passaram do tempo da primeira divisão.

Bem, há apenas dois anos, em 2013, circulavam pelo nosso meio campo Deco, pelo Fluminense, Juninho Pernambucano, pelo Vasco, Ronaldinho Gaúcho, pelo Flamengo e Seedorf no Botafogo. Lembro-me como se fosse hoje a cara de espanto, e encantamento, do meu filho Guilherme quando o seu camisa 10 alvinegro, recebendo uma bola pela ponta esquerda,  meteu a canhota na bola e descobriu seu lateral direito livre, do outro lado, entrando em diagonal. “Mas nem nós percebemos na televisão, pai? Como Seedorf o enxergou?” “E eu reparei que ele nem olhou enquanto corria!”. Foi quando pude explicar a ele, que não teve o privilégio de ver Tostão jogar, que o bom jogador vê. O craque antevê. O bom jogador Guinazu joga de cabeça baixa e só enxerga, e devolve, o passe à sua frente. O craque que dignificava nossas sagradas camisas 10, levantava a cabeça enquanto se deslocava. Quando recebia a bola, era capaz de realizar um passe de 50 metros como Gerson. E deixar o Rei Pelé na cara do gol. Não é saudosismo, juro. São saudades. De um meio campo que não volta, ou enxerga, mais. Fazer o quê? Domingo tem mais decisão sem um camisa 10 que a dignifique. Que leve um 10 na matéria futebol.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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