GHENGIS KHAN

Saía de Campos dos Goytacazes, no domingo, onde fora visitar meu filho Guilherme, e antes de ultrapassar os nove municípios que se interpõem  a Três Rios,  duas televisões, uma na sala, outra na varanda, indicavam os dois grandes clássicos que deixaria de assistir naquela tarde: na Sky, Vasco x Flamengo, na Record, um épico sobre Ghengis Khan.  Mas deu para ler a sinopse dos dois antes de acelerar e ficar imaginando pelos quilômetros a saga de cada um: Ghengis Khan nascera cercado de lendas sobre a vinda de um lobo cinzento que devoraria a terra. Ainda jovem, matou o lobo e ficou famoso em sua tribo por unificar o povo mongol. Estrategista brilhante, com hábeis arqueiros montados à sua disposição, partiria para conquistar a China, mas para isto teria que ultrapassar sua grande muralha. Quanto ao futebol, se tratava do clássico dos milhões, e mostraria outro capítulo da luta de um almirante português, vindo em uma das naus de Cabral, se não me engano a segunda a aportar em Porto Seguro, contra um bando, e põe bando nisto, de pássaros nativos e voadores que dominavam a paisagem quando chegaram ao Rio de Janeiro: os urubus. Bacalhau versus urubu, berrava o narrador quando finalmente parti, aos dois minutos do primeiro tempo. Quando Ghengis Khan era apenas um menino.

 

Em São Fidélis, 78 km depois, fiquei sabendo que o temporal suspendera a partida. No posto de gasolina, e nos bares ao redor, não se tinha notícia sobre o filme. Impressionante o alcance do futebol, centenas de pessoas se aglomeravam e vibravam em torno de uma telinha. Mais à frente, em Itaocara, paro para tomar um café e revejo em um restaurante a bobeira do goleiro vascaíno, a bola retida na poça, o gol do Alecsandro.  Ligo o carro e reinício a viagem e, num relance, percebo a entrada em campo de um guerreiro mongol.  Alguma coisa estava errada. Mas o personagem principal do filme, cansado de ver preterida sua história por uma partida de futebol que nem era uma final, que mal respeitavam sua trajetória de conquistas, que o tornou um dos comandantes militares mais bem sucedidos da humanidade, deixou os campos de guerra e entrou naquele gramado encharcado disposto a ser visto. E derrubar um a um seus adversários. Levou pro Maracanã suas armas e esqueceu que lutavam não por territórios, mas por uma bola. Por um lugar no G4.

 

E foi em Santo Antonio de Pádua, já escurecendo, que vi cenas fortes, que decidiram a partida: Marcelo Cirino entrou na grande área e havia dois zagueiros a cercá-lo. Mas Ghengis Khan veio em sua fúria incontida e o atropelou. Atirou-o ao chão, como um grande guerreiro.  Penalty.  E ainda quis bater no juiz. Dada a saída, Paulinho faz falta em Bernardo, e novamente nosso guerreiro mongol,  que se meteu no canal e na ação trocada, parte em direção a uma coluna de rubro-negros, disposto a derrubar todo mundo. Finalmente é expulso, some da telinha. Chegando a Além Paraíba, ninguém por lá no barzinho soube o seu destino. Dizem que foi brabo para um vestiário. Outros raros, fiéis à Record, dizem que morreu. Que entrou para a história. Uma como vilão, outra como herói.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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