A FALTA QUE O BICHO FAZ

(foto,  site: imortaisdofutebol.com)

Zico, no auge dos seus 23 anos em 1976, recebia no CR Flamengo 45 salários mínimos. Isto é, nos valores de hoje, CR$ 34.560,00. Arthur Antunes Coimbra, oriundo de Quintino, subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, era um dos primeiros a chegar ao estádio da Gávea e ficava, após os treinamentos, aprimorando cobranças de faltas. Estendia uma camisa nos ângulos das traves, e tentava retirá-las com a força e precisão dos seus chutes. Com as luvas do seu novo contrato, deu entrada num apartamento em Copacabana e adquiriu um Chevette do ano. Zico era feliz, dormia cedo, era muito bem pago, trabalhava no que mais sabia fazer, jogar o futebol, e perguntem aos torcedores do Flamengo o tamanho que esta felicidade traduzia em campo.

Fred, aos 29 anos, recebe no Fluminense 1.178 salários mínimos, isto é R$ 900.00,00. Remuneração 25 vezes superior ao destinado à Presidência da República e 30 vezes maior do que o salário pago ao Presidente do STJF. Seriam seus gols mais importantes e rentáveis para a nação do que conduzir o país, em meio a recessão econômica, sem diminuir as políticas públicas de transferência de renda e ainda enfrentar a corrupção impregnada nas suas estatais? Sua presença no ataque tricolor ostenta maior responsabilidade do que a ultima estância em que são decididas questões vitais da nação?

Quando entrava em campo,  Zico e sua geração, como funcionários de carteira assinada,  lutava pelas vitórias para ter direito ao bicho que liquidaria o IPTU, a primeira parcela do IPVA, matricularia as crianças no colégio e ainda sobraria algum para um jantar no Caneco 70, em Ipanema, onde levava toda a família Antunes. O bicho era a meta, o objetivo, o bônus que elevaria o prestígio do clube, o aproximava do título, aumentava a renda das partidas e todos saíam ganhando. Sem inflacionar o mercado, endividar o clube, sem dar um tapa na cara do torcedor que paga ingresso todo domingo com o suor de dois ou três salários mínimos.

 Já Fred não tem bicho, recebe sua mega sena mensal independente do resultado, grande parte delas vindas do patrocinador, outra parcela menor do próprio clube. Na hora de marcar um gol, ele não sabe se beija a logo da empresa ou o escudo do clube. Não estaria no hora do futebol brasileiro, aproveitando o Bom Senso, no momento econômico em que todos estão reinventando seus orçamentos, dar exemplo e estabelecer um piso salarial para a categoria? Que ele não ultrapasse, por exemplo, o teto máximo permitido aos nossos magistrados do STF, de CR$ 29.462,71? A partir daí, a remuneração aumentaria com a volta das gratificações pelas vitórias e títulos. Se o bicho estivesse presente no contexto do vestiário tricolor, no dia 20 de novembro de 2014, quando entraram em campo pela 35ª do brasileirão para enfrentar a Chapecoense, no Maracanã, valendo a vaga para a Copa Libertadores, vocês acreditam que eles perderiam de 4×1?  Zebra seria o ultimo bicho a circular por ali se todos os jogadores do Fluminense fossem buscar no resultado sua independência financeira. Não promover um desacato à torcida, um descaso a realidade do país, um caso de desamor ao futebol.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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