OS HERÓIS DA LIBERDADE

Nos anos 50, o Brasil ensaiou seus primeiros passos em direção a sua própria independência. Em 1951, Jorge Amado ganhava o Premio Stalin de Literatura, em Moscou, e o filme O Cangaceiro, de Lima Barreto, era premiado no Festival de Cannes, em 1953. Três anos depois, Candido Portinari pintava o mural Guerra e Paz, para a sede da ONU, em Nova York, e em 1958 surge a Bossa Nova, que encantou os americanos.

Nesta década, os brasileiros assistiam ao choque de duas correntes contrárias. De um lado, uma grande nostalgia do passado, de outro, a ânsia de inaugurar o futuro. Homens e mulheres, então jovens ou crianças, sofreram na pele um até então crônico problema brasileiro: a dupla personalidade, que nos fez atravessar, ao longo dos anos, crises opostas de depressão e euforia nacional. Éramos ainda semi independentes.

Alguns seguiram Maísa entoando que “meu mundo caiu” porque “ninguém me ama, ninguém me quer”. Outros extrapolavam, e suplicavam “risque o meu nome do seu caderno, que eu não suporto o inferno do amor fracassado”. Os otimistas, erguiam Brasília num deserto central e começavam a enviar ao mundo sinais que tínhamos luz própria. Música, cinema, pintura e literatura como genuína expressão nacional.

Faltava, entretanto, para o grito definitivo de liberdade, um feito que colocasse o mundo aos nossos pés e, ao mesmo tempo, levasse nossos sentimentos para ruas a comemorar a própria conquista. Martha Rocha chegou perto, mas faltaram duas polegadas, e Guimarães Rosa bateu na trave quando escreveu Grande Sertão : Veredas. Até então, tentaram nos impor outras datas, engolidas goela abaixo, comemoradas com um Engov antes, um depois. Por decreto, feriados, desfiles cívicos foram criados, apenas esqueceram de mexer com o íntimo da população, que solenemente os desprezavam. Os presidentes ficavam na tribuna, tanques e soldados desfilavam e o brasileiro ficava em casa comendo seu churrasco.

Uma data, 22 de abril, era para dizer que fomos descobertos. Não pegou porque fomos ocupados. Independentes no dia 7 de Setembro, que nada, como exílio de monarquias acuadas, eles sim, os portugueses, clamavam por liberdade. E se houve abolição no 13 de Maio, esqueceram de avisar os porteiros das arenas da Copa, pois eles não deixaram um só negro ser avistado nos telões.

Como num passe de mágica, finalmente em 29 de Junho de 1958, 11 soldados capitaneados pelo marechal Vicente Feola, invadem a Europa e ganham de todo mundo na Suécia. Não com armas, mas na bola. A seleção brasileira de futebol, formada por mestiços, sem a ingerência do FMI, sem qualquer influência das revoluções francesas ou industriais, encanto o mundo com seu talento e derrota a seleção da casa se tornando campeã mundial de futebol.

Portanto, não foi o “Terra à vista!”, de Cabral, “O independência ou Morte”, de D. Pedro I, ou a pseudo liberdade concedida pela redentora o brado da nossa independência. Foi o “A taça do mundo é nossa!” entoada por um paulista, Hideraldo Luís Bellini, em meio a todos aqueles heróis da nossa liberdade. Desde então, a cada jogo dos nossos heróis, o povo brasileiro desfila pelas ruas erguendo sua bandeira, entoando seus hinos, desfilando, como em nenhuma outra data, seu amor à nação. Sendo assim, revogam-se as disposições contraditórias e seja

decretado oficialmente o dia 29 de Junho de 1958 como o verdadeiro dia da nossa independência. O dia que passamos a ter, de verdade, orgulho de ser brasileiros.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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