DIVERSIDADE INTERROMPIDA

Nem eu, nem o Blatter, muito menos o Jerolme Valke éramos nascidos para perceber que quando os portugueses pararam suas naus no Posto Ypiranga de Porto Seguro, para abastecê-las rumos às Índias, estava sendo descoberto mais que um país. Estava sendo descoberto o país do futebol. Mas quando o Brasil levantou sua quinta taça, ganhou todos os mundiais sub tudo e começou a abastecer o mundo com outras especiarias, a FIFA acordou. Ou ela matava na fonte esta hegemonia, ou o futebol se tornaria um samba de nota só, tão desigual que o iria tornar monótono e pouco lucrativo. E tratou de enviar para cá espiões e historiadores em busca do nosso segredo. E nossa diversidade foi apontada como a responsável direta pela fabricação de tantos craques.

“Aquele povo ( abria o relatório), tem a cultura de base européia, a agilidade e a força etiópica e a simplicidade e naturalidade dos seus nativos”. “Seu segredo era colocar tal diversidade desde cedo em campos irregulares, de terra batida, completamente descalços, e exercer exaustivamente este dom, ter o tato atrelado ao objeto de desejo, no caso, a bola, no lugar de afastá-lo com o neutro do solado, como fazem os europeus”. E alertava, enfatizando a descoberta: “Michael Jordan nunca jogou basquete de luvas!” .

Ao final, um alerta tanto para a FIFA quanto para os países integrantes do G8: “Todos os maiores craques emergem das periferias, das comunidades carentes que ainda possuem os tais laboratórios. Por lá, a bola vive a travar um duelo de destreza com os pés descalços que dura todo um aprendizado. Ali, retiram soluções inusitadas para as jogadas que nossos jogadores levam anos a desenvolver uma vacina”. E concluía: “Depois de famosos, latinos e sentimentais que são, retornam para reintegrar a prole à sociedade. Daí a pouco saem da miséria, viram emergentes, exigem um lugar cativo no Conselho da ONU, não ficam mais reféns do FMI, muito menos de nós, da FIFA”. A solução que a entidade maior do  futebol encontrou, para não sucumbir à nossa hegemonia, foi se associar a Sony, Adidas e a Coca-Cola.

A primeira desenvolveria um videogame tão real que as novas gerações dispensariam a pelada em troca de um clássico com tela de 50, óculos 3D e ar condicionado. Aos que mesmo assim resistiriam, a Adidas lançaria chuteiras infantis que Pelé, Gérson e Rivelino jamais conheceram pra lhes roubar o tato e, por ultimo, a Coca Cola substituiria o nosso suco de laranja para chamar de Walter aqueles rápidos e magrinhos Neymares. Por ultimo, a própria entidade transformaria nossos estádios, impondo um modelo único para que a diversidade Geraldina e Arquibalda se tornasse tão previsível e enfadonha quanto à precisão suíça. A pontualidade britânica. Descobri isto ontem, domingo, por acaso. O campo que jogava nos infantis do América deu lugar a um conjunto habitacional aqui em Três Rios. Minha filha, Roberta, não permitiu, por causa das bolhas, que meus netos tirassem os tênis durante uma bolinha que batemos antes deles me darem uma coça no Playstation

Depois, tomando juntos uma Coca Cola, percebi que a nossa geração da bola, uma preciosa lembrança deixada por meu pai, há 62 anos, estava, assim como a do nosso futebol, perto do fim. Melhor então, em junho, receber e torcer com carinho por nossos meninos carentes que com seu talento conquistaram a Europa, cheio de bolhas nos pés, que deram a volta por cima, mudaram a história das suas famílias e, perante a nossa incapacidade de reagir aos nossos atuais colonizadores da bola, se tornarão os últimos artistas representantes de uma diversidade violada diante dos nossos submissos, e macios, pés acolchoados e amortecidos pela Nike.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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