Cauã e Cristofher

Não se trata de uma nova dupla sertaneja, são apenas dois atores separados por época e por programas completamente distintos mas que desnudam, como poucos, a realidade dos jovens que atuam e assistem televisão em nosso país. No papel de Mau Mau, Cauã Raymond começou atuando em Malhação, um folhetim classe média da Globo que aborda o cotidiano de estudantes brancos e bonitos retratados no privilegiado mundo dos jovens que precisam apenas estudar. Em muitos capítulos, chegam à escola em carros importados e passam mais tempo na lanchonete namorando do que em sala de aula. Não sei se o colégio de Malhação tem sistema de cotas, mas sempre tem um ator negro que o diretor coloca em cena para não sofrer patrulhamento ideológico.

Já Cristofher estreou sábado á tarde na Copa São Paulo de Juniores com a camisa 8 do Palmeiras contra o Fluminense de Feira de Santana. Magro, habilidoso, mesmo não tomando anabolizantes para encantar o público feminino, tomou conta da audiência com uma atuação brilhante. Como a maioria dos seus companheiros de cena, negros, pardos e mestiços, representa o outro lado da juventude que precisa trabalhar para ajudar sua família, estudar à noite quando pode, mas como não tem simulado nem tempo pro reforço no inglês, não vão além da primeira fase do Enem. Como tem talento desenvolvido nos campos de pelada da sua periferia, onde travou um duelo de destreza e habilidade com seu único presente de aniversário, uma bola de futebol, sua mãe sacrificou o dinheiro da feira para levá-lo a seguidos testes nos Parque Antártica. Neste disputado programa de sábado em que o Palmeiras venceu por 1×0, a exceção eram os brancos, mas o treinador baiano tratou de cumprir a cota invertida escalando seu filho, Klismann, no primeiro tempo.

Os atores de malhação, como Cauã, também jogaram futebol na adolescência, mas pelo Playstation 4, com a fita da Fifa. Quando se tornam famosos, fazem preliminar do jogo das estrelas, atuam no time de futebol da Light cujas torcedoras vão mais em busca de autógrafos de que de jogadas, mas sentem dificuldades quando atuam como Tufão e seus chutes não passam de uma brisa. E aí, haja dublê. E hajam Crisrtofhers.

Malhação e a Copa São Paulo de Futebol juniores serão programas de todas as tardes de verão que poderiam servir como IDH, PIB ou seja lá outra sigla que analise a desigualdade social e econômica do nosso país. Malhação mostra a cara e a cútis dos futuros médicos, engenheiros, arquitetos que irão conduzir um país cada vez mais desigual. Do outro lado, com a bola rolando, saíram meninos pobres em busca da fama. Craques como Cristofher assinarão seu primeiro contrato, comprarão uma casa para seus pais e um carrão para resgatar a primeira Maria chuteira. A seguir, irão para o Barcelona amparar toda a família que viveu séculos ostentando os trapos da falta de oportunidades. Cauã ou Cristhofer ? Grazis ou Marquezines?

Revistas Caras ou Placar? Ao final do campeonato brasileiro e do calendário político, falou-se muito em justiça, em embargos infringentes, que as mais importantes decisões não aconteceram em campo ou no Senado, mas nos tribunais. Mas justiça seja feita, seja nas tardes da Globo ou nos campos de São José do Rio Preto, em São Paulo ou nos regimes semiabertos da Papuda: mais que Joaquim Barbosa ou juízes do STJD, quem sabe até do bolsa-família, se alguém faz justiça neste país, equilibra as chances de sua gente, este apartheid tupiniquim chama-se futebol.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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