CONFISSÕES DE UM RESERVA

 

Domingo fui convocado junto aos meus companheiros pelo meu clube, CR Flamengo, para jogar no Maracanã e enfrentar um difícil adversário, então líder do Campeonato Brasileiro, o Botafogo FR. Estava confiante, treinei muito durante a semana, fiz toda a parte física, estive inspirado nos coletivos e após o treinamento fiquei aprimorando meus chutes. Bati também alguns penaltis. Há poucos meses, no estadual carioca, comandado por Jorginho, fui considerado a revelação do campeonato. Deixei a família em casa e passei o sábado concentrado.

Mas chegando ao Estádio Mário Filho, o treinador Mano Meneses me entregou uma camisa cujo número era superior ao onze, e como só são permitidos onze de cada lado, só restou-me sentar no banco. Passei de revelação a reserva. Deixei de ser peça fundamental para me tornar uma peça de reposição quando o ataque vai mal ou um atacante se machucar. Confesso a vocês, não há nada pior na vida do que ser reserva. Só mesmo os esportes coletivos para submeter um trabalhador, de carteira assinada, a uma agonia de ser um tipo Net.

Pois foram 90 minutos à beira de um lindo palco, com o cheiro da grama e da fama próximos demais que nos mantém distante da grana e da glória. Quanto mais for o tempo ali sentado mais desvalorizado ficamos porque o Galvão não vai narrar minhas arrancadas, o Júnior não comentará minha atuação e a nação rubro-negra, sem gritar meu nome quando dos contra-ataques que puxava em velocidade, que eram fulminantes, vai esquecer se encantando com a aplicação do Paulinho, pela luta do Elias e pelos gols do Moreno. 

A memória do nosso torcedor é mais forte apenas que a razão que sobrou do seu fanatismo. Como não há razão nas arquibancadas, desculpe, cadeiras, apenas paixão, como dói na gente quando o ostracismo substitui seu fanatismo. E depois virá a renovação do meu contrato, e sei que sentarei à mesa com aqueles cartolas mais desvalorizado que as ações da MDX, da CCX. Se der sorte, renovo ganhando menos, sem ela acabarei emprestado ao Audax, Bangú ou ao América, não necessariamente nesta ordem de agonia. 

Como se não bastasse, precisei ser cínico e hipócrita há pouco para parecer que estava no banco torcendo pelos meus companheiros. Como torcer por alguém que nos toma o lugar, atrapalha nossa carreira, e mais, como torcer para o meu time ganhar se em time que ganha não se mexe e sem mexida como vai sobrar uma brecha no ataque do Flamengo? Como se não bastasse, acabei de passar por aquela reza forçada no vestiário, onde evangélicos, espíritas e colegas umbandistas precisam gritar alto, não orar, a Ave-Maria como se Deus fosse surdo? Quer saber? Quando perdem, ninguém reza, o grupo se dispersa. Não somos um estado laico? Então que os vestiários assim o sejam.

Desculpe-me o desabafo, tá certo, poderia ser pior. Ser reserva do Rogério Ceni, por exemplo, que já aposentou seis goleiros revelações da Taça Cidade de São Paulo de Juniores, que sequer tocaram um dia na bola em partidas oficias. Poderia ser meu amigo Renato Abreu, que tantos bichos nos deu e que nem no banco de reservas teve mais direito de permanecer, defender o seu futuro já que ninguém respeita mais o seu passado. Mas sou apenas um jovem jogador magoado, em começo de carreira, que encontra na reserva o meu maior obstáculo. Se tiver garra, persistência, no dia em que aquela plaquinha subir abrindo o sinal pro meu futebol, nunca mais desço aquelas escadas.

Caso contrário, já com a bunda quadrada e desmotivado,vou arrumar as malas e procurar emprego em outro lugar. Um lugar em que, executando o Itaú, o Santander ou o Banco do Brasil, possa entrar e mostrar o meu serviço, ser protagonista da minha própria história, e não refém de alguém preferido pelo Mano que foi escalado no meu lugar. Se pra eles foi empate, pra mim foi derrota.

 

Rafinha

 

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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