O QUE PRECISA MUDAR NA ARBITRAGEM BRASILEIRA

Aristeu Leonardo Tavares é uma daquelas pessoas vitoriosas, em qualquer tarefa a que se proponha realizar. O árbitro Fifa e o Coronel da Policia Militar conviviam em harmonia e alcançaram o sucesso através do reconhecimento. Em 1981 entrou para a PM saiu aspirante em 83 já como major comandou a Companhia Independente responsável pela segurança do Palácio Guanabara, residência oficial do Governador. Tenente-Coronel, foi destacado assessor de imprensa, servindo no Quartel General, depois comandou o Batalhão de Policia Rodoviária, as Unidades Operacionais Especiais e o II Comando de Policiamento de Área, onde foi responsável por sete batalhões da Zona Norte e Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Em 1989 entrou para o Curso de Arbitragem, administrado por Carlos Elias Pimentel e quatro anos depois iniciava atividades em campo, apitando juvenis e juniores até 1994, quando entrou para o quadro nacional da CBF para apitar jogos da série B e C. Em 1997, com a direção de Armando Marques, entrou numa seleção para substituir dois auxiliares que se ausentaram e passou nas provas física, oral e escrita atuando como auxiliar do quadro nacional, até 2007. No currículo, Copa América, Mundial Sub-20, Mundial Sub-17, Mundial Interclubes, finais de campeonatos brasileiros, Libertadores, Sul-Americanas, Conmebol e a Copa do Mundo de 2006, na Alemanha.

Em 2007, Aristeu Leonardo Tavares foi convidado por Edson Resende, presidente da Comissão de Arbitragem, para fazer parte da Comissão, a partir de 2008. Com a saída de Resende, a ideia não se concretizou e o novo dirigente, Sergio Correia, por alguma razão, não ratificou o chamado. Mais desafios a enfrentar foi se reciclar realizando cursos na CBF, Conmebol e Fifa para assumir como Instrutor de Arbitragem, de 2008 a 2012, quando passou a ser Ouvidor de Arbitragem da CBF, onde as reclamações sobre as arbitragens são conduzidas até hoje. Uma pessoa mais que indicada para falar sobre arbitragem, neste campeonato brasileiro que está começando.

POR QUE A SUA SAÍDA ?

– Na verdade foram vários fatores, mas tenho certeza que os que mais pesaram foram de ordem pessoal – mas o mais importante foi que eu estava muito fragilizado. Eu tinha perdido meu pai fazia doze dias, tomei posse dia 22 de agosto. Eu estava abatido emocionalmente e aquela carga de atribuições de arbitragem tem, que eu não tinha a menor ideia de como funcionava e as coisas foram se somando e eu tinha acabado de passar para a inatividade na Policia Militar, ou seja, estava numa transição de vida, depois de 31 anos na caserna e estava em “liberdade” e resolvi abrir mão daquela carga emocional que essa função tem, podendo causar até problemas de ordem pessoal, resolvi tomar outro rumo.

 NÃO HOUVE UM MOTIVO ESPECIAL ?

– Sinceramente não. Foi mesmo essa soma de fatores que já enumerei. Não houve nenhuma razão especifica a não ser essa carga pesada. Procurei fazer o melhor que podia, tinha planos para o cargo, pois acredito que a arbitragem brasileira pode e deve melhorar, com o apoio das federações, o que, efetivamente não ocorre, como as escolas de arbitragens que poderiam produzir árbitros de qualidade, o que não  tem acontecido. O profissional chega no quadro nacional de arbitragem com uma serie de deficiência e a CBF tem que ficar correndo para deixá-lo em condições de se aproximar dos principais centros, principalmente São Paulo, Rio, Porto Alegre, por ser uma deficiência grande.

VOCÊ TEVE TEMPO DE FAZER ALGUMA COISA ?

– Nesse período eu procurei fazer uma série de cursos de aprimoramento, junto com as comissões, toda uma estrutura que a CBF tem, pequena, é verdade, deveria ser maior, mas dentro do que foi possível, em termos de cursos, em torno da arbitragem e em torno dela.  Não haverá uma condição para melhorar a arbitragem nacional se não tivermos assessores de arbitragem, que são os inspetores de árbitros qualificados para que possam apontar às comissões as deficiências constantes e as falências dos árbitros designados pela CBF, bem como os instrutores, aqueles que têm a missão de aprimorar os árbitros e no nível desses dois segmentos se não evoluírem muito a arbitragem nacional vai continuar com problemas. Já houve evolução, mas tem muito a ser feito.

QUE CONTRIBUIÇÃO VOCÊ DEIXOU NESSE PERÍODO ?

– A minha modéstia contribuição nesses seis meses foi, através de um cronograma procurar redimensionar esses profissionais com cursos de aprimoramento, inclusive deixamos um calendário pronto para esse ano para que fosse executado também em 2013, com aprimoramento desses profissionais e parece que agora, a partir da Copa das Confederações vai ser realizado isso.

EM QUE NÍVEL ESTÃO OS ÁRBITROS BRASILEIROS ?

– Primeiro, devemos observar que o árbitro brasileiro é o único amador nesse universo profissional, isso já é um problema sério. Não só no Brasil, mas em outros países, a arbitragem tem problemas no mundo inteiro. Nós vimos agora, na Liga dos Campeões da Europa, nas semifinais e nas quartas de finais erros gigantescos que decidiram que país deveria seguir ou não para outra fase. O problema, repito, é no mundo inteiro.

OS NOSSOS ESTÃO NESSE MESMO ESTÁGIO ?

– Não só os brasileiros, mas os sul-americanos também. Há uma entressafra em função da aposentaria de muitos árbitros de bom nível. Numa mesma geração houve uma parada de grandes apitadores e isso fragilizou muito a arbitragem brasileira e sul-americana. O prejuízo maior foi nosso com a aposentadoria de Carlos Simon, o Leonardo Gaciba parou, um árbitro muito importante, que teve problemas nos testes físicos e teve que parar, agora recentemente o Wilson Seneme, também por problemas nos testes físicos, isso tudo fez com que houvesse uma fragilização.

 QUAL A SOLUÇÃO PARA ESSA CRISE ?

– Importante que haja renovação, que o árbitro chegue numa posição de destaque já encorpado, formação de jovens valores, com experiência em seus estados, que irá lhe proporcionar um caminho mais curto para chegar à Fifa e que ele chegue a esse estágio já com experiência, rodado, para que o escudo não pese no seu peito e ele possa representar melhor a arbitragem nacional.

POR QUE OS MELHORES ÁRBITROS SÃO DO RIO E SÃO PAULO ?

– É verdade, a maioria vem desses dois centros, onde se faz um bom trabalho, mas há outras federações trabalhando nesse sentido. Aqui perto há um presidente que já percebeu que o calcanhar de Aquiles é a arbitragem. Quando os árbitros vão bem em seus torneios e nos torneios nacionais a federação não tem problema. Um exemplo, se há uma rodada sem problemas, na segunda-feira o presidente fica tranquilo, descansado, sem ser lembrado. Se houver um problema que seja, a vida do camarada vira um inferno.

QUAL O CAMINHO A SEGUIR ?

– Fazer investimento na arbitragem, apostar no trabalho, que com certeza menos problemas eles terão. Da mesma forma com a CBF, que vem fazendo um trabalho de investimento que requer cada vez mais recursos, buscando o aprimoramento dos árbitros, através de cursos para os árbitros, auxiliares e os instrutores, com a participação de preparadores físicos, que lhes darão mais condições de trabalhar.

A TECNOLOGIA SERÁ BENÉFICA PARA OS ÁRBITROS ?

– Sou favorável, desde que não mexa na essência da regra. Por exemplo, definir se a bola ultrapassou totalmente a linha de meta, é gol. Tudo bem, tirou uma dúvida, não mexe com a essência da regra. Não vai parar o jogo para se discutir aquilo. O chip passa a informação para o árbitro, imediatamente, e ele confirma o gol. Não se discute mais. A tecnologia não é contra o árbitro, ela salva também. Há casos em que a mídia está fazendo uma crítica e a imagem mostra que o árbitro acertou, isso é bom, salvou o camarada. Importante que o árbitro se prepare, cada vez mais, para tentar diminuir os erros.

O ÁRBITRO CONTINUA SENDO A BOLA DA VEZ ?

– Ah, sim, com certeza. Ele é o único sujeito numa partida de futebol que não pode errar e não deve mesmo. O jogador perde pênalti, bate corner pra fora, o dirigente contrata mal, mas não tem a mesma repercussão de um equívoco do árbitro. É importante que ele se mantenha atualizado, se aprimorando, cuidando do preparo físico para que tenha condições de fazer um desempenho melhor.

COMENTARISTA DE ARBITRAGEM SOMA ALGUMA COISA ?

– Sim, sem dúvida, eles trouxeram muito benefício. A regra do jogo hoje é muito mais discutida, divulgada e o torcedor conhece mais que antigamente. Mas é importante que esses comentaristas se atualizem porque as vezes escutamos comentários que estão em confronto com a realidade que a regra apresenta hoje. É importante que estejam sempre lendo, se aprimorem. Posso citar dois bons exemplos que são o (Leonardo) Gaciba e o (Carlos Eugenio) Simon, que estão muito bem, num momento bom, usando a didática em suas avaliações e conseguem materializar de maneira simples o que o torcedor está vendo e ouvindo. É importante a presença desses profissionais na medida em que estejam atualizados.

QUEM É O MELHOR ÁRBITRO HOJE ?

-Primeiro, devo esclarecer que a Fifa trabalha com quatro pilares. O primeiro, obviamente, é o técnico, aquilo que o árbitro faz em campo, e eles se relacionam, são entrelaçados. O técnico/disciplina, que tem a ver com o segundo pilar, que é fundamental e passou a ser analisado 15 anos atrás, que não era, é o pilar físico. O árbitro ficava pelo meio-campo, corria menos, hoje o jogador pega a bola tem quatro, cinco em cima dele, os espaços diminuíram, a força aplicada aumentou e o árbitro tem que acompanhar. O terceiro é o equilíbrio emocional. Não adianta ser bom tecnicamente, bom preparo se não estiver bem preparado emocionalmente. Finalmente, o pilar social, que pesa muito. Não adianta um comportamento social distante. Árbitro Fifa vai a jantares, tem que dar entrevista, tem convívio social importante, isso é muito bom para eles.

QUEM TERIA ESSE PERFIL ?

– Quem reúne essas condições e por isso foi escolhido pela Fifa é o Sandro Meira Ricci consegue um equilíbrio dentro desses quatro pilares. Ele tem um cargo público importante, um camarada muito equilibrado e capacitado emocionalmente e tem um condicionamento físico invejável. Ele fez recentemente um teste, chamado “ioiô” e foi o último a deixar a pista. Tecnicamente, apesar de estar a pouco tempo na Fifa, está numa fase muito boa. Ele vai agora apitar na Turquia e vai chegar na copa do mundo em plena forma, pronto para bem representar a arbitragem nacional.

QUAL A MAIOR DIFICULDADE QUE O ÁRBITRO ENFRENTA ?

– Infelizmente as coisas ruins são copiadas, não só no Brasil, mas em todos os campos do mundo. Vi uns jogos do torneio sub-20 e fiquei impressionado com garotos, de todos os continentes, entrando com violência, maldade, raiva, coisa impressionante. A maior dificuldade, entretanto, para o árbitro brasileiro, é não ter uma profissão, por isso se prepara mal, não tem tempo de recuperação adequado. Ele é cobrado como profissional mas é amador. Não importa que precise ter outra fonte de renda, faz jornada dupla, as vezes tripla, é muito difícil. Quem consegue administrar essa situação tem algum sucesso.

O QUE PRECISA MUDAR NA ARBITRAGEM BRASILEIRA ?

O meu planejamento incluía uma escola nacional de arbitragem, que foi criada agora, para que haja a estruturação para a formação e aprimoramento do profissional árbitro com o seu entorno, o assessor de arbitragem e seus instrutores. Isso é uma plataforma inegociável. Enquanto não houver uma estrutura profissional, com a formação do árbitro, depois sua estruturação, uma valorização reconhecida a coisa não vai chegar perto daquilo que consideramos ideal. No meio da arbitragem há consenso nessa forma de pensamento.

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