SEM A CARA DA RIQUEZA

Para não dizer que sou implicante com nossos treinadores, fui ao Centro Cultural Correios, no Rio de Janeiro, assistir Céu sobre Chuva de Botequim, encenada por Xandro Garcia, Márcia do Valle e dirigida pelo consagrado Gianfrancesco Guarnieri. Em nenhum dos 90 minutos da peça a apresentação dos atores foi interrompida por um gesto qualquer da direção. Os aplausos foram para os artistas, o reconhecimento, a admiração, ficou embutida ao comandante que os ensaiou durante a semana, lhes dando orientação e segurança para atuar. No cinema não é diferente. Você assiste E.T. e cultua Steven Spielberg, e quando ARGO leva o Oscar sabemos que o talento do diretor premiado Ben Aflleck é que está por trás das lentes.

Sendo assim, porque no espetáculo futebol o diretor precisa ficar ao lado do palco, exposto ao sol, à chuva, às chacotas dos torcedores, raramente aplaudidos? A cena em que meu amigo Abel Braga deixa o Estádio Raulino de Oliveira expulso, contra o Flamengo, foi constrangedora. No lugar de ter sua imagem preservada,como técnico reconhecido e vitorioso, o país assistiu um senhor de 60 anos, quem sabe com netos, saindo de cena repreendido por um anônimo mediador como um colegial desobediente, que não sabe se portar perante as regras estabelecidas. Está mais do que na hora dos nossos treinadores repensarem sua postura, deixarem que seus craques, livres para ousar, sejam outra vez os verdadeiros protagonistas da partida. Se são “professores”, devem continuar dando aulas e permitindo que seus alunos façam sozinho suas provas. 

Domingo, contra o Bangú, Abel era um homem à beira de um ataque de nervos num jogo que não mexia com os nervos de ninguém. Que liderança há de surgir nas quatro linhas se o improviso, a inteligência, os reflexos são tolhidos por aquela figura impávida, gestos estudados, marquetizados, que ninguém em campo escuta ou lhes dá atenção?

Volta Abel, retorna Osvaldo de Oliveira ao banco de reservas, abandonem seu burródromo durante as semifinais da Taça Rio, dando exemplos e deixando seus atletas retirarem da cartola algo diferente em cima do sistema tático que estabelecerem. Ou alguma obra de arte do nosso futebol, como a bicicleta, o elástico, a folha-seca e a caneta tiveram a co-autoria de algum treinador? Fico a imaginar se Leonardo da Vinci, Picasso, Portinari conseguiriam retratar sua magia com um tagarela destes ao seu lado. Oscar Niemeyer, então, teria antecipado a desarmonia interna, não desenhado a harmonia externa do Senado, da Câmara dos Deputados se JK ficasse dando palpites ao lado da sua prancheta.

O Maracanã já tem a cara da FIFA. Como uma bolsa Louis Vitton, bonita, é claro, cara e pasteurizada que você encontra em Wembley, no Parque dos Principes, no Santiago Bernabeu, será inaugurado no próximo sábado sem a cara da nossa riqueza – que no futebol era a diversidade traduzida na geral e entre os divertidos arquibaldos. Debaixo de gritos como toca, marca, volta e, principalmente, pega, inibindo cada ato de criação, que outros Zico, Gérson, Romário e Rivelino pisarão naquele tapete para fazer o mundo, outra vez, literalmente sucumbir aos nossos pés?

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *