ÁRBITRO BRASILEIRO É O MELHOR DO MUNDO

Leo Feldman deixou um legado importante para a arbitragem do Rio, que poderia servir para todo o país, não fosse a falta de padronização e apoio maior da CBF, sempre preocupada em ostentar sedes suntuosas, concentrações deslumbrantes e muito dinheiro em caixa. Pelo menos até pouco tempo atrás. Saído da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) fez tantos cursos quantos poderia fazer e acabou entrando para a arbitragem, em 1975. Na temporada seguinte já estava atuando e deixou no currículo vinte e seis temporadas seguidas.

Era uma época difícil, havia grande árbitros. Frederico Lopes, Eunápio de Queirós, eram instrutores, mesmo não sendo da Fifa, mas tinham grande capacidade e experiência. Nessa época, passou a atuar nas categorias de base, olhos e ouvidos atentos ao que faziam José Aldo Pereira, Armando Marques em final de carreira, mas respeitado como o número um, Arnaldo Cesar Coelho, José Roberto Wright, iniciando a carreira, Wilson Carlos dos Santos, que acabou sendo sua maior referencia. Exigente, correto, disciplinador, teve alguns defeitos, como ser humano. Mas uma grande qualidade: honestidade acima de tudo.

QUANDO RESOLVEU QUE SERIA ASSIM ?

– A gente teve que traçar uma forma de trabalho para poder subir e ganhar espaço ao lado deles, que eram grandes árbitros e tinha a possibilidade de ver esse pessoal atuando, a gente apitando infantil, juvenil, até que, no início da década de 1980 surgiu minha primeira grande oportunidade de participar de jogos de profissionais. Comecei atuando em partidas da segunda e terceira divisão e isso me deu uma experiência muito grande.

É MESMO UM GRANDE APRENDIZADO APITAR ESSES JOGOS ?

– Sem dúvida é uma grande escola. São jogos de grande pressão, que envolvem cidades, muita paixão, mesmo com torcidas menores. Mas a dificuldade é muito grande, atuar em campos pequenos, nem sempre com segurança adequada. Isso acaba amadurecendo o árbitro que fica muito confortável quando passa a apitar no Maracanã, Morumbi ou qualquer outro estádio, as coisas se tornam mais fáceis.

COMO SE DEU COM VOCÊ ESSA PASSAGEM ?

– Foi no início da década de 1980 que tive minha primeira grande oportunidade apitando um Vasco x Botafogo. Fiquei muito nervoso antes do jogo mas depois que a bola rolou, não. Depois a sequencia foi normal como em qualquer profissão. Você vai ganhando experiência, fica conhecido pelos atletas, dirigentes, imprensa as coisas se tornam mais fáceis, mas no início é muito difícil, a pressão muito grande e você trabalha com a emoção.

ESSE É O GRANDE PAVOR DO ARBITRO, A EMOÇÃO ?

– Sem dúvida. Você trabalha com a emoção, não com a razão e trabalhar com a emoção você tem que trabalhar muito mais porque o jogo não termina quando a gente trila o apito e vai para o vestiário tomar banho. No dia seguinte se comenta o jogo, dois dias depois ainda se fala no jogo, chega em casa o porteiro do prédio, chega no trabalho teu colega reclama, sempre tem um comentário. Na verdade o jogo não termina ali, está sempre vivo no nosso dia a dia.

VOCÊ FARIA TUDO OUTRA VEZ ?

– Confesso que, depois de onze anos parado, a gente começa a rever algumas coisas que foram feitas no decorrer da carreira e faz uma reflexão. Quando passei a receber convites para comentar arbitragem e tive maior contato com o pessoal da imprensa concluí que poderia ter feito um contato maior com a imprensa. Eu era muito seco, falava pouco com o pessoal de rádio, TV, jornal, brincava muito pouco, porque a função é muito difícil e a única coisa que eu modificaria se começasse tudo outra vez seria o relacionamento com a imprensa.

MAS FOI UMA OPÇÃO SUA

Sim, mas fiquei muito afastado da imprensa e não tive uma orientação no sentido de mostrar as pessoas como você é, o teu dia a dia, teu trabalho, e eu senti muito isso. Seria, repito, a única coisa que eu modificaria e daria um conselho a quem está iniciando agora para não ter esse tipo de comportamento. Em todas as profissões existem os bons e os maus e você tem que tomar um cuidado muito grande. Na época eu não soube selecionar muito e pequei. Mas não me arrependo porque foi uma coisa de momento, mas mudaria, sim. No resto, não mudaria nada, de forma nenhuma minha postura com jogadores, dirigentes, não modificaria nada.

MESMO ASSIM TIVEMOS UM BOM RELACIONAMENTO

– Sim, mas nunca houve reclamação de ninguém nesse sentido. Eu que senti quando conversava com colegas de imprensa e alguns me diziam que eu não era nada daquilo que mostrava em campo, um cara marrento, austero, passei essa imagem. Mas modificaria, sim, depois desse contato com o pessoal da mídia. Não foi só com você, mas fiz bons relacionamentos enquanto árbitro. Pessoas que me respeitavam e eu os respeitava da mesma forma, sempre me dei bem com todos eles, só que eu tinha uma forma diferente que talvez tenha me afastado um pouquinho.

É MAIS FÁCIL APITAR HOJE ?

Não vai mudar nada no futebol, para o árbitro. Tanto faz antes, agora, daqui pra frente, as dificuldades vão ser as mesmas o problema é a tecnologia. Eu dei sorte porque na minha época, na melhor fase, década de 1990 não tinha tantas câmeras como hoje, transmitindo os jogos. Hoje é uma coisa desumana para o árbitro de futebol, essa é a grande dificuldade de se apitar hoje porque todo mundo acerta, na tela. O cara está em casa, sentado, tomando sua cerveja, discute cem vezes o mesmo lance e às vezes não acerta.

RECURSOS QUE O ÁRBITRO NÃO TEM

– Sim, e tem que resolver em frações de segundos. Então, quando mais tecnologia, mais câmeras tiver em campo, mais difícil vai ficar para o árbitro apitar.

QUE AVALIAÇÃO VOCÊ FAZ DA TECNOLOGIA ?

– Eu sou totalmente a favor. A tecnologia está aí para beneficiar a humanidade. Hoje os médicos operam daqui, uma pessoa na Amazônia, através da ciência e do desenvolvimento tecnológico. O problema é, vamos ver um caso mais polêmico, se a bola entrou ou não. O chip facilita, sim, facilita para que a gente não venha a ter situações de marcação equivocada onde se daria a possibilidade de uma equipe ganhar, perder ou empatar em função disso. A França foi beneficiada numa classificação para a copa do mundo num lance que o mundo inteiro viu a mão na bola do atacante francês. Nesse caso a tecnologia iria beneficiar o futebol. Mas isso precisa ser implantado em todos os campos do mundo, será que isso é possível ? Não vejo outra saída. O que não pode é ficar parando um jogo que já dura uma hora e meia. Outros esportes usam a tecnologia, como o futebol americano, o vôlei, o tênis e outros.

VOCÊ PRECISOU USAR A TECNOLOGIA ALGUMA VEZ ?

– Eu apitei um jogo do Santos, na Vila Belmiro, e aconteceu um lance muito complicado. Houve um chute cruzado e eu vi a bola dentro da rede. O bandeira ficou na dele, não me disse nada. Aí a turma veio em cima de mim, dizendo que a bola entrou por fora da rede. Aproveitei a confusão e pedi ao regra três para dar uma olhada na rede. Eu não podia fazer isso, a regra não me permite, nem tinha outro recurso. O bandeira foi, voltou e disse baixinho pra mim: “tiro de meta”. Mandei bater e ficou todo mundo satisfeito mas dei sorte que a rede estava furada mesmo. O que não pode é cometer uma injustiça, botar a perder todo um trabalho dos caras.

MAS TAMBÉM PODERIA TER SIDO AO CONTRÁRIO

E aconteceu comigo. Não esqueci esse lance, de uma bola lançada na área e só que ela tinha entrado no gol. Mas não ouvi o barulho de cabeçada, a gente passa a discernir determinadas coisas, com o tempo. Parecia, pela batida, que havia sido com a mão e olhei para o “bandeira”, ele correndo para o meio do campo e fui com ele. Dei o gol, que foi feito pelo Viola, lembro bem esse lance. Quando cheguei em casa e vi na televisão fiquei com vergonha. Somente uma câmera, que estava acima das outras, pegou o lance dele usando a mão, junto da cabeça. Felizmente foi de goleada, não alterou o resultado, passou batido, mas eu teria sido beneficiado se houvesse o uso da tecnologia.

ALGUM LANCE TE DEIXOU SEM DORMIR ?

A gente, claro, percebe, dentro do campo, quando as coisas vão bem ou mal, mas importa mesmo você ter consciência do seu trabalho, porque da mesma forma que o goleiro toma um frango, o atacante perde um gol, sai um passe errado, o árbitro se equivoca, tem direito de errar. O amadurecimento do profissional de arbitragem faz com que a gente não pense em remorso de ter errado. Se isso acontecer a gente comenta com alguém do nosso convívio, fala do lance, mas passa batido.

NENHUMA LAMBANÇA HISTÓRICA ?

Teve um lance, num Vasco x Botafogo, no Maracanã. Houve um gol do Vasco e correu todo mundo em cima do bandeira, alegando uma situação de impedimento. Cheguei junto, como sempre fiz, nunca deixei o auxiliar ser pressionado sozinho. Quando me aproximei tinha um jogador de costas pra mim, falando, reclamando, dizendo alguma coisa. Falei comigo: “é esse”, e fui logo metendo o cartão vermelho nele, botei pra fora. Até porque ninguém chega nessa situação pra dizer que o cara é bonito. Aí todo mundo afastou, jogo que segue.

ESCOLHEU O JOGADOR ERRADO ?

– Terminou a partida, descemos para o vestiário e o assistente que estava envolvido me chamou de lado: “porra, Leo, o cara estava ali ajudando, tentando tirar o pessoal. Foi o único que não me xingou. O resto, podia ter mandado todo mundo embora, menos ele”. Tentei argumentar, contando o que tinha visto, a sensação que tive ao chegar. O cara cercado, todo mundo xingando, tinha que pegar um para acalmar. Aí não tinha mais jeito, tinha expulsado o cara, ponto final. Vou botar na súmula a expulsão, sem “carregar” no motivo da saída dele pra que não haja uma punição injusta, mais ainda.

COMO FICOU COM A SUA CONSCIÊNCIA ?

– Foi uma coisa que me deixou triste, afinal eu tinha cometido uma injustiça, contra um jogador, foi o Valber, e não podia mais mudar. Depois encontrei com ele em outros jogos e a gente comentou o lance, isso faz parte, mas me chateou porque eu fui no intuito de solucionar o problema e acabei cometendo uma injustiça. As outras coisas, se foi falta ou não, se marcou uma penalidade máxima ou não, isso acontece não tem que ficar chateado, é da profissão. Mas me desculpei com ele e vida que segue.

NENHUM LANCE MAL MARCADO OU COISA PARECIDA ?

– Sim, teve um Fla x Flu e um jogador, o Alcindo, não sei de que lado ele estava, acho que no Flamengo, fez uma jogada pela direita, se preparava para concluir a jogada e levou uma entrada por trás e vi perfeitamente que ele estava fora de campo. Pela distancia em que eu estava vi que ele estava além da linha de fundo, portanto fora de campo. Na hora ele reclamou, como sempre fazem, mas ficou tudo resolvido ali mesmo. Como a gente se conhecia, havia um respeito mútuo, ficou tudo bem. Mas no intervalo o auxiliar perguntou o que eu tinha marcado eu confirmei o que tinha visto. Ele disse: “Leo estava dentro, foi penalty”, mas aí não dava mais pra voltar. No gramado conversei com ele, assumi o erro e ficou por isso mesmo, não havia como mudar.

ALGUMA VEZ SENTIU-SE PRESSIONADO EM CAMPO ?

– Olha, pode ter certeza do que vou ter dizer. Dentro de campo, entre o árbitro, jogadores, não existe clima de inimizade, mas um clima de respeito sim. Quando o técnico faz uma palestra já diz aos jogadores quem vai apitar, eles conhecem todos os árbitros. O aluno são sabe o professor que vai encontrar em sala, a mesma coisa é o jogador, ele conhece, sabe com quem ele vai lidar. Às vezes se cria um clima antes dos jogos que não vai para o campo. Pode ser para os torcedores, pra vender jornal. Vi um jogo outro dia, Fluminense x Atlético Mineiro, que criticaram muito mas senti que dentro de campo o árbitro (Jailson Macedo Freitas) estava tranqüilo, dominando a partida, mesmo não tendo muita experiência. Foi um jogo lindo, muito bem apitado.

MAS PODERIA TER SIDO MAIS ENÉRGICO

– Sim, ele perdeu a oportunidade de botar o Fred pra fora. Ele batia, fez uma falta para cartão amarelo, já tinha sido advertido, deveria ter sido expulso e não seria injustiça nenhuma. Mas aí iam dizer “ta vendo, expulsou o Fred, estão prejudicando o Fluminense”, aquelas coisas que a gente já conhece, que eu sofri na pele quando expulsei o Túlio e o Agnaldo na Taça Guanabara, em 1995. Agora, dar cabeçada um no outro tem que botar os dois pra fora e acabou, seja quem for.

O CLIMA RUIM CRIADO PELA MIDIA VAI PARA O CAMPO ?

– Não comigo. Um dia encontrei o Renato Gaucho e disse a ele: “se eu lesse os jornais (antes do Fla x Flu de 95) durante a semana tu nem entrava em campo. Tu falou (sic) tanta bobagem, fez tanta crítica, não era nem para jogar. O que aconteceu foi que recebi a escala duas semanas antes do jogo (eram duas finais) e a imprensa começou a divulgar através dos jornais, rádios e televisão. Mas eu não li nada, pedi que pessoas ligadas a mim guardassem tudo que fosse publicado sobre o jogo. Até meu treinamento foi em local diferente. Desapareci do contexto, só não pude escapar dos comentários dos colegas de trabalho (alunos). E não foram poucos.

ISSO INFLUENCIOU TUA ATUAÇÃO ?

– Vivenciei durante duas semanas e fui pro jogo, muito tranqüilo. Nos dias seguintes eu não conseguia dormir direito com aquele barulho da torcida, que não parava nunca. Fiquei uma semana assim, até que comecei a ler os jornais. Fiquei impressionado com o que escreveram. Foi um jogo de cinco expulsões, mas tranquilo. Saí do estádio numa boa, podia até ter saído no meio da galera, ninguém conhece mesmo, carro de pobre, sem problemas.

POUCA GENTE SABE QUE O “GOL DE BARRIGA” NÃO FOI DO RENATO GAUCHO

– Eu vi, mas a grande maioria não conhece a regra, vou explicar. Primeiro, nenhum locutor gritou “gol de Renato”, nenhum, todos gritaram gol de Ailton. No lance inicial todo mundo narrou “chuta Ailton, é gol”. O pessoal de trás (pontas) é que gritou, “gol do Renato”. A TV deu gol de Ailton, isso é uma situação. Agora, o que eu vi: a bola chutada, Renato sai para o lado esquerdo, vibrando, o Ailton sai pelo lado direito vibrando. Quem chutou foi o Ailton, isso eu tinha certeza, mas tive a sensação que havia batido no Renato, batido, é bom lembrar, ele chegar a encolher a barriga, como num susto. Então não tive dúvida, gol de quem chutou e está lá súmula: Ailton

O JOGADOR BRASILEIRO É O MAIS INDISCIPLINADO, CONCORDA ?

– Eu vou responder por mim, é difícil falar pelos outros. Eu não vejo assim, não concordo com isso e vou explicar por que: o jogador brasileiro, se houver disciplina ele obedece. O cinto de segurança só pegou porque tinha multa. A mesma coisa é dentro do campo de jogo. Se estiver alguém lá punindo por indisciplina, o atleta vai se enquadrar e trabalhar conforma regra. Eu, particularmente não tive problema com o jogador brasileiro. Por que ele muda quando vai para a Europa, porque se atravessar fora da faixa paga uma multa e vai em cana, aqui não.

POR QUE ELES MUDAM QUANDO O ARBITRO É ESTRANGEIRO ?

– Se ele vai para a Europa o comportamento dele é outro porque lá as coisas pegam. Concordo, quando vem um árbitro de fora eles tem outro tipo de comportamento. Por que ? Porque não tem a intimidade que tem com os daqui. Intimidade no sentido de conhecer, saber de que lugar ele é, conhecer, atuar juntos em vários jogos, conversar. Aí vem um árbitro de fora que não conhece, não bate papo, não falam a mesma língua aí eles tem uma postura diferente. Mas vou te dizer uma coisa: com toda essa situação ainda considero o árbitro brasileiro o melhor do mundo.

QUEM É O MELHOR DO MELHORES DO MUNDO ?

– Hoje ta difícil. Eu cometeria uma injustiça muito grande se dissesse quem é o melhor dos melhores. Apesar de muita crítica por parte da imprensa, muitas delas injustas, eu citaria dois bons árbitros: um é Wilson Seneme, que vem numa ascendente muito grande e o Paulo Cesar Oliveira, também um bom árbitro. Eles tem cancha, capacidade, atuam em qualquer tipo de jogo. O que está faltando hoje é um pouquinho mais de espelho. Os árbitros estão subindo cada vez mais cedo e lhes falta experiência. No meu tempo era mais difícil apitar mas a gente tinha mais exemplos e aprendia mais que hoje. Eles estão começando mais cedo e terminando mais cedo. Não acho que isso seja bom.

One thought on “ÁRBITRO BRASILEIRO É O MELHOR DO MUNDO

  1. Excelente materia! Gostaria de ver uma materia como esse com o nosso eterno idolo, o galinho de Quintino. Sera que ele fala as razoes pelo qual ele saiu do Flamengo em 2011? Aguardo esta materia.

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