Reunidos e esquecidos

Waldo foi homenageado deixando as marcas dos pés que irão para a calçada da fama do Maracanã

Sábado, fui convidado, como ex-atleta do clube,  a receber uma homenagem nas Laranjeiras junto a vários craques, de diversas gerações tricolores. Desde Waldo, Jardel, Altair, passando por Félix, Mickey, Lula, Samarone e Assis, até chegar ao Paulo Cesar Caju e  Carlos Alberto Pintinho. Foi bom rever, de relance, o Manfrine, Zé Mário, Rubens Galaxe, Nielsen, Fernando, Silveira e o Marco Antonio. Deu para notar também que o Jair, o Eduardo, Peri, Edinho, Miguel, Ronald e Rodrigues Neto se fizeram presente, para a alegria de alguns torcedores tricolores que levaram seus álbuns de figurinhas. Havia uma tenda com Chope, outra com churrasco e também teve muita chuva que obrigou a todos, craques, cartolas e torcedores, a se acotovelarem embaixo das poucas tendas que foram montadas na quadra para abrigar-nos do sol. Que faltou, assim como as homenagens mencionadas no convite. Pelo período, dava até para desconfiar, tratava-se de um evento político que lançaria um candidato a presidência do clube e, de quebra, pediria votos para o Deley, também ex-craque do clube, para Deputado Federal.

Waldo e Pintinho

As homenagens, as vagas para guardar nossos carros, lugares à mesa e a consideração com quem ajudou a escrever a história do clube ficou, novamente, para outra ocasião. Mas nós, ex-atletas, já nos acostumamos com o descaso com que somos tratados pelos clubes que defendemos. Particularmente, passei 13 dos meus 58 anos entre Álvaro Chaves e Xerém, ajudando o clube a erguer 5 títulos profissionais (Taças GB 71 e 75 e estaduais 71,73 e 75) além de 5 títulos amadores, como jogador e treinador de suas divisões de base. Mas nenhum benemérito ou dirigente gordo daqueles foi capaz de levantar para nos ceder lugar à mesa, mesmo sabendo que nosso deslocamento até lá foi longo e, no meu caso, pago do próprio bolso.

Samarone

Certa vez, jogando no Flamengo, em 1976, escutei, tomando banho no vestiário, um comentário que vinha de algum reservado, que definiria o conceito com que um ex-atleta é recebido pelo  seu ex-clube.  “Sabe quem está aí fora visitando o clube? O Liminha!”. Estava há pouco na Gávea, mas mesmo torcedor do Fluminense, tinha uma enorme admiração pelo cabeça-de-área rubro-negro, que rivalizava, no meu universo de torcedor, com Denílson, o Rei Zulu, como donos absolutos da proteção às nossas defesas. Antes de acabar o banho e ir reverenciar tal altiva figura, veio outro comentário: “Deve estar fudido, precisando de emprego. Ex-jogador, quando volta ao clube, é para pedir dinheiro!”. Tal episódio ficou marcado na minha vida esportiva, e esta falta de carinho e respeito com quem havia dado alegrias ao clube, continuou a dar exemplos vivos, e mortos, durante toda minha carreira. E fora armadilhas como a de sábado, dificilmente dou brecha para falarem de mim o que disseram do meu herói, o Liminha. Mas do jeito que entrei nas Laranjeiras, sem ser reconhecido, voltei duas horas depois para Três Rios sem provar um pedaço de carne, um copo de chope oferecido.

Paulo Cesar Caju

Salvo a gentileza do candidato Julio Lopes, muito afinado com a história do clube e que nos citou no seu discurso, do Presidente Francisco Horta, eternamente educado e solícito, trouxe de volta pela Washington Luiz, Serra das Araras, uma enorme saudade dos tempos de cumplicidade ali vividos. Nos matávamos em campo, mas havia reconhecimento do lado de fora. Com raros cabelos, ou dos embranquiçados que restaram, deu para reconhecer, em cada um companheiro, as cruéis marcas, em todo o corpo, de um esporte de alta performance praticado em uma época sem qualquer proteção ou blindagem.

Jogamos e treinamos décadas e meia sob sol forte e não haviam inventado o protetor solar. Subíamos e descíamos a Paineiras, a estrada da Vista Chinesa, 5 km utilizando tênis inapropriados, sem amortecedores, e ainda recebíamos dos roupeiros um modelo com travas de borracha, da Rainha, que eram igualmente utilizados nos coletivos. Para economizar e explodir nossas articulações, que quando rompiam eram tratadas a céu aberto, sem artroscópio, e o médico ainda expunha no copo, após a cirurgia,  todo o menisco como troféu – e não  apenas a parte lesionada. Atingidos nas canelas por travas de alumínio, não tivemos a sorte de conhecer a proteção das caneleiras, ainda não inventadas, e nossos estômagos, pobres coitados, recebiam doses de Voltaren ou Tandrilax  toda semana, a cada pancada, e devem estar no limite, como os pulmões de um fumante.

Sem aposentadoria para aplacar tanta coisa insalubre e periculosa, atuando com pesadas bolas de couro e chuteiras idem, que machucavam e feriam pés e mãos, indistintamente,  jogados num mercado de trabalho, após os 35 anos, para sobreviver em outra função qualquer, que ninguém parou para nos preparar para tal ofício, nós, ex-atletas de futebol já temos, no ostracismo, motivos de sobra para evitar levar mais pancada. Poupe-nos, então, os novos dirigentes e futuros cartolas, de nos convidar a receber doses extras de desconsideração, como a que nos foi reservada no sábado passado, na sede do Fluminense FC. Em casa, pelo menos, temos álbuns, troféus, pôster e medalhas que, mesmo em silêncio, são capazes de entender e respeitar melhor aqueles momentos mágicos vividos em  nossa história.

José Roberto Lopes Padilha

Ex-ponta esquerda do clube e jornalista.

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